domingo, 11 de janeiro de 2009

TEXTOS ANTIGOS - I - Um sorriso por um folheto

Inicio aqui uma série de postas (sem aviso prévio) com textos escritos em papel, há alguns anos e que nunca foram lidos por ninguém, a não ser pelo seu "criador"...
Eles são o resultado de ideias que me vinham e ainda vêm à cabeça, sobretudo quando ando na rua, como é o caso deste que partilho, desde já, convosco.
-----+-----
Porque demoraste tanto a distribuir isso?
(folhetos de supermercado)
E não me lançaste nenhum sorriso quando me viste a dobrar a esquina da rua. Em vez disso, seguraste na merda dos papéis dos iogurtes e do salpicão da Alemanha, ainda por cima, papelada de gente que te paga migalhas e é podre de rica. Tu andas a pé e eles de Mercedes, gelam-te os dedos, depois tens frieiras e as pomadas custam-te menos duas ou três cervejas.
Mas nem sorriste, caramba!
Custava-te muito?
Trocavas o sorriso por um folheto. Era menos um que distribuías e ninguém dava pelo pecado e depois ais ao padre.
Bem sei e bem vês que o dia está cinzento, mas sabes que por cima das nuvens há sempre sol e os homens
(às vezes são gajas bem vestidas e lambest-e todo, digo eu)
do tempo também se enganam, mas sorriem sempre no fim, mesmo quando dizem que o tempo vai estar uma porcaria.

Tu é que não sorriste e devias. A minha alma pesaria menos, os folhetos distribuíam-se sozinhos, como se fossem hiperactivos e tivessem perninhas.
Agora vamos juntos pela rua, desviando-nos das pessoas nos passeios agarradas aos botões dos casacos e de cara no chão, nós dois com os folhetos debaixo do braço, jurando guerra ao suor do aperto dos sovacos, mesmo perto da garantia dos desodorizantes que desinfectam até as televisões e as rádios.
Mas agora que vais comigo, podes sorrir caramba. Não te custa nada, ou custa-te um folheto que como bem sabes vale uma descarga de sanita.
Pronto, vais dobrar outra esquina, desta vez comigo, vais demorar menos a distribuir os folhetos e vais largar um sorriso com o esmero de um pai feliz ou de um amante contente.

Escrito em Março de 2004

Sem comentários: